terça-feira, 30 de abril de 2013

A IMPROPRIEDADE DO NOME PRÓPRIO

                                                   

A linguística ensina-nos que o signo/nome é arbitrário. Lido pacificamente com esta arbitrariedade, até porque também não vejo como poderia ser de outro modo. O que, confesso, aceito com alguma dificuldade é o facto não ter tido uma palavra a dizer na escolha do meu nome próprio, esse local de construção tão pessoal e intransmissível. Desde muito cedo, se tornou claro para mim que o nome pelo qual assinava não era o meu nome real, o que trazemos do nosso registo oculto para a luz. Era um nome invulgar, com uma sonoridade forte, formado por uma só palavra e… único. Sim, durante cerca de três décadas, eu nunca encontrei, cara a cara, alguém que se chamasse Liliana e a primeira pessoa que encontrei chamava-se, de facto, Liliane. Esta sensação de uniqueness incomodava-me, não só porque me expunha desnecessariamente, mas também porque, como vim a saber a certa altura, ele se destinava a evocar, no meu padrinho de batismo, a memória de um amor inacessível que o fez percorrer alguns caminhos da vida um pouco em contramão. Aquela história não era a minha e, talvez por isso, a familiaridade que fui estabelecendo com o meu nome nunca foi grande. Digamos que nunca nos conseguimos tratar por tu.

Até que, um dia, algo inusitado aconteceu. Encontrei, na rua, o meu velho amigo José Bacelar (nome fictício), um senhor de 87 anos por quem, desde a minha juventude, nutro uma profunda estima a qual sempre foi amplamente retribuída. Vivíamos ambos no mesmo quarteirão o que fazia com que os nossos encontros fossem frequentes. A sua idade, já um pouco avançada, aliada a um problema de saúde de alguma gravidade, não lhe permitiam grandes caminhadas sem a supervisão da família e eu gostava de o acompanhar, sempre que podia. As nossas conversas, outrora reconfortantes e entrecortadas de alegres risadas, foram dando lugar a diálogos repetitivos e estórias truncadas que, ora ficavam pela metade, ora continuavam com outros personagens vindos não se sabia bem de onde. Pois, naquele dia, o nome daquela rapariga por quem ele se tinha perdido de amores, quando ainda estudante em Coimbra, não lhe vinha à memória e ele queria, mais uma vez, contar-me a estória. Ainda intentei várias hipóteses, mas não, não era nenhum daqueles nomes. Não fazia mal, lembrar-se-ia mais tarde e, no próximo encontro, ele dir-me-ia o seu nome. E despedimo-nos. Tinha-me afastado uns escassos metros, quando o ouvi chamar-me: Tatiana, já me lembro! Chamava-se Maria da Graça!

Tatiana! Aquele nome atingiu-me como um raio. Um turbilhão de múltiplos acordes afetivos foi subindo de tom até sentir a cabeça andar à roda, as pernas tremerem e o coração disparar, numa correria louca. Em suma, a minha vida inteira estremeceu de alto a baixo ao ouvir aquele nome o qual, finalmente, reconhecia como meu. As semanas que se seguiram foram algo perturbadoras, povoadas de sonhos estranhos, uns quantos devaneios e até a ocorrência de um episódio meio caricato, cuja lembrança me faz sorrir frequentemente. É que, um belo dia, após ter presidido a uma reunião profissional, a secretária trouxe-me a ata, para assinar, e eu assinei com o meu novo nome. Acreditem que não foi nada fácil disfarçar o equívoco. Só espero que um dia destes ninguém me ouça dizer, à semelhança da personagem Judite, da obra Nome de Guerra, de Almada Negreiros, “ Eu não me chamo Liliana, mas não digas nada a ninguém. O meu nome verdadeiro é …” Só que, nesta altura, Judite calava-se sempre. Espero que eu faça o mesmo. Não me apetecia nada ser internada por algo tão benigno.

Pois, se vos conto isto, é porque gostaria que o nome com o qual passarei a assinar as minhas postagens, neste Blogue, não fosse entendido como um nome fictício destinado a mascarar qualquer anonimato, conceito com o qual lido muito mal. Estou certa de que, a partir da explicação dada, todos os meus amigos e conhecidos, a quem vou apresentar este espaço de encontro, me identificarão facilmente. Afinal, é para isso que serve o nome , para nos identificar no espaço social. A identidade é outra coisa e sobre essa outra coisa, eu só posso dizer, citando o poema dito e cantado por Maria Bethânia, “ eu não sou o meu nome…”.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

SOBRE O TÍTULO DO BLOGUE


 O título deste Blogue deixa-me tão perplexa a mim como a si, caro leitor. É claro que passo a explicar. Num serão, algures em 2009, encontrava-me eu, em frente de um computador, tentando atinar com essa coisa de criar um Blogue e escolher-lhe um nome adequado quando, de repente, me entra pelo meu sossego adentro uma locutora televisiva anunciando uma entrevista com a escultora Maria Flávia de Monsaraz. Como se a tarefa a que me propunha já não fosse suficientemente árdua para a minha iliteracia tecnológica, encontrava-me ainda no pico de uma das crises existenciais com que, de vez em quando, me brindo a mim própria, em compensação por não ter tido tempo de as ter, em devido tempo. Nessa entrevista, Flávia de Monsaraz, apresentava-se como estudiosa de Astrologia, Taoista e crente na Luz e rigor da Ciência Esotérica. Fosse lá o que tudo isso significasse, em profundidade, a verdade tangível era que a sua postura era de tal maneira serena, leve (a “leveza” de Kundera?), luminosa e o seu discurso de tal maneira fluído e coerente que me prendeu, do princípio ao fim. Aquilo não era só convicção. Era algo mais. Tudo transparecia tão óbvio que não havia lugar para argumentos em contrário. Aquela perspetiva de um universo holístico, organizado em sistemas dentro de sistemas trazia-me, a cada palavra, o conforto por que o meu estado de espírito ansiava. Afinal, se todos os sistemas se correspondem, tem que haver uma Ordem e é na Ordem que podemos achar o nosso fio da meada. Por outro lado, o princípio taoista da dualidade do mundo, a eterna luta Yin/Yang, o ser e o não-ser (não o redutor ser ou não-ser Shakespeariano) e o propósito da vida como sendo integrarmos essa dualidade, aceitá-la, vivê-la e transcendê-la, tudo fazia sentido. E a conversa fluía sobre os ciclos da vida, o eterno retorno cósmico, a idade do retorno nos seres humanos a qual, segundo a entrevistada, correspondia, mais ou menos, à idade que eu tinha nessa altura. Estava escolhido o nome do Blogue. Restava saber o que iria fazer a seguir. E durante cerca de três anos e meio não fiz nada. Regresso em 2013. Não em crise existencial mas em crise nacional. Vejamos o que acontece. Mas, pelo sim pelo não, talvez não seja má ideia mantermos a navegação à vista, ou não fossemos nós um país de marinheiros.